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O uso da tributação ambiental na promoção da sustentabilidade
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Tributos, em especial com finalidade extrafiscal, podem ser importantes instrumentos para promover o desenvolvimento sustentável na sua dimensão ambiental e, em especial, evitar a poluição. Relevante função possuem, em emblemático exemplo, na taxação do carbono para se diminuir a emissão de gases de efeito estufa e o consequente aquecimento global.

Na consolidação de políticas públicas, o sistema tributário deve estar estruturado em pilares de sustentabilidade para a promoção do desenvolvimento[1].

Numa economia de mercado, sem intervenção governamental, aqueles que se beneficiam da poluição decidem acerca da sua quantidade e “não têm incentivo para levar em conta os custos de poluição que impõem aos outros, como os que ganham com a exploração de usinas termelétricas”[2], por exemplo. Incidem altos custos da poluição sobre as pessoas que não têm influência nos processos decisórios causadores da degradação ambiental[3].

Pode-se incluir a tributação de desestímulo à poluição no leque de tributos pigouvianos. Com efeito, Pigou, em seu clássico A Economia do Bem-Estar, defendeu a tributação para a redução de externalidades negativas[4]. Krugman, por sua vez, entende que existem três maneiras fundamentais de induzir as pessoas que usam recursos comuns a internalizar os custos que impõem aos outros: a) tributar ou então regulamentar o uso do recurso comum; b) criar um sistema de licenças comercializáveis para o direito de usar o recurso comum; c) tornar o recurso comum exclusivo e atribuir direitos de propriedade a alguns indivíduos[5].

Existem, como enfatiza Caliendo, dois grandes grupos de soluções tributárias utilizadas com o intuito de auxiliar na busca de um meio ambiente equilibrado: a imposição de tributos ambientais e a criação de incentivos à produção sustentável. Complementa afirmando que a imposição de tributos ambientais constitui-se em “solução do tipo comando e controle, ou seja, soluções em que se estabelecem um padrão de conduta e a exigência da internalização do custo das externalidades, tornando obviamente algumas atividades mais caras do que outras”[6].

Assevera Krugman, por seu turno, que os impostos sobre emissões e licenças comercializáveis fazem mais do que induzir indústrias poluidoras a reduzir as emissões. Elas proporcionam um incentivo para criar e usar a tecnologia menos poluente. O principal efeito dos sistemas de comercialização de licenças é mudar o modo de produzir eletricidade, e não o de reduzir a sua produção. Cita como exemplo dessa nova postura as usinas elétricas americanas que passaram a usar combustíveis alternativos, como carvão de baixo teor de enxofre e gás natural, e também instalaram filtros que retiram das emissões das usinas elétricas boa parte do dióxido de enxofre e de outros poluentes[7].

Não é diferente o entendimento da doutrina canadense no que tange à tributação ambiental, isto é, os impostos são popularmente conhecidos como mecanismos de geração de renda para os governos; entretanto, eles também podem servir para promover mudanças no comportamento da sociedade, especialmente novas posturas que visem reduzir os danos ambientais[8].

Refere Nabais, por sua vez, que os tributos ambientais são definidos pelas seguintes características:

1) têm função extrafiscal;

2) tributam atividade mais poluente, atendendo ao princípio do poluidor-pagador;

3) presumem a existência de produto alternativo para qual possa ser dirigida a procura antes orientada para o produto tributado;

4) as receitas encontram-se, por via de regra, consignadas à realização da função ambiental;

5) devem ser estabelecidos no início da cadeia produtiva (upstream)[9].

Assiste razão ao jurista luso quando afirma que o que caracteriza a natureza ambiental dos tributos “é o objetivo ou [a] finalidade extrafiscal ecológica primordial, traduzida na preservação e melhoria do meio ambiente assumida pelo legislador ao criá-los e discipliná-los” e, bem assim, “a efetiva possibilidade de prossecução desse objetivo ou finalidade, e não o destino ecológico das receitas proporcionadas pelos mesmos”[10].

Grandes temas no momento acerca da extrafiscalidade de tributos na sua dimensão ambiental certamente são, como referido por Benidickson, “a discussão a respeito da tributação sobre o carbono e a potencial diminuição na taxa de produção de dióxido de carbono, que é o gás de efeito estufa que mais contribui para o aquecimento global”[11]. Entende Giddens que “os impostos sobre o carbono podem ser de dois tipos: aqueles cuja receita parcial ou integral é gasta para fins ambientais e aqueles cujo propósito é influenciar o comportamento de maneiras compatíveis com os objetivos ligados à mudança climática”. No primeiro exemplo, é possível incluir “os impostos em que a receita é investida para subsidiar a tecnologia das energias renováveis”[12]; já os tributos que visam compelir as pessoas ao uso do combustível mais eficiente nos veículos, ou da energia limpa, como no caso dos carros movidos com eletricidade, enquadram-se na segunda possibilidade. O propósito da tributação sobre o carbono, como alternativa de combate às mudanças climáticas e ao aquecimento global, é auxiliar “na eliminação das externalidades negativas no que concerne ao meio ambiente e uma garantia de que tenham seu custo inteiramente estimado, inclusive os custos para as futuras gerações”[13]. Hora de pensar nos nossos filhos, e nos filhos dos filhos deles, que não precisam pagar essa conta!

Aliás, o Canadá, país modelar no aspecto da governança, em declaração do primeiro ministro Justice Trudeau, comprometeu-se em colocar preço no carbono faz poucas semanas. Tanto as províncias como os territórios deverão estabelecer, sob pena de multa, legislação que fixe o preço mínimo de 10 dólares canadenses por tonelada de carbono até 2018 e aumentá-lo até 2020 no patamar de pelo menos 50 dólares canadenses por tonelada. A arrecadação será utilizada para diminuir o valor de outros tributos que oneram o contribuinte ou para investir em projetos climáticos e subsidiar a energia renovável[14].

No caso brasileiro, não basta tributar atividades poluidoras aleatoriamente: todo o sistema tributário nacional precisa ser sustentável, inserido em uma economia verde, com novas tecnologias baseadas na energia limpa e livre — ou de baixa emissão — de carbono. É preciso que exista “consistência de políticas públicas que induzam o modelo produtivo para um nível de sustentabilidade, orientando a política fiscal nacional, estadual e municipal”[15].

Na busca pela concretização do direito fundamental ao desenvolvimento sustentável, não se pode hiperdimensionar qualquer um dos seus pilares básicos. O que se deve, também, é buscar o equilíbrio com os demais direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988. Veiga refere que “a sustentabilidade ambiental deve estar baseada no duplo imperativo ético de solidariedade sincrônica com a geração atual e de solidariedade diacrônica com as gerações futuras” e que ela demanda a busca de “soluções triplamente vencedoras (isto é, em termos sociais, econômicos e ecológicos), eliminando o crescimento selvagem obtido ao custo de externalidades negativas, tanto sociais quanto ambientais”. Políticas ambientais fiscais devem ser de longo prazo, pois, do contrário, “levam ao crescimento ambientalmente destrutivo, mas socialmente benéfico, ou ao crescimento ambientalmente benéfico, mas socialmente destrutivo”[16]. O desenvolvimento sustentável, nessa perspectiva, deve ser alcançado com governança exemplar e harmonia com os seus pilares econômico, humano e ambiental.

A tributação ambiental, em suma, deve ser acompanhada sempre de políticas públicas consistentes com uma visão de ecologia integral como pregada pelo Papa Francisco em Laudato Sì. A participação efetiva da sociedade na elaboração e na discussão da viabilidade da tributação ambiental é fundamental dentro de um debate público bem informado, que possa levar à transparência necessária aos processos de tomada de decisão. Não há dúvida de que, nessa perspectiva, a tributação ambiental com finalidade extrafiscal é um importante mecanismo de funcionalização e concretização do direito fundamental ao desenvolvimento sustentável na era das mudanças climáticas.


[1] SILVA, Solange Teles. Reflexões Sobre o ICMS Ecológico. In: KISHI, Sandra Akemi Shimada; SILVA, Solange Teles da; SOARES, Inês Virgínia Prado (Orgs.). Desafios do Direito Ambiental no Século XXI: estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 753-776. p. 770.) [2] KRUGMAN, Paul; WELLS, Robin. Economics. New York: New Publishers, 2009. p. 393. [3] KRUGMAN, Paul; WELLS, Robin. Economics. New York: New Publishers, 2009. p. 393. [4] PIGOU, Arthur Cecil. The economics of welfare. London: MacMillan, 1962. [5] KRUGMAN, Paul; WELLS, Robin. Economics. New York: New Publishers, 2009. p. 421. [6] CALIENDO, Paulo. Extrafiscalidade ambiental: instrumento de proteção ao meio ambiente equilibrado. In: BASSO, Ana Paula et al. (Orgs.). Direito e Desenvolvimento Sustentável. Curitiba: Juruá, 2013. p. 165-194. [7] KRUGMAN, Paul; WELLS, Robin. Economics. New York: New Publishers, 2009. p. 403. [8] OLEWILER, Nancy. The case for pollutions taxes. In: DOERN, G. B. (Ed.). Getting It Green: Case Studies in Canadian Environmental Regulation. Toronto: C.D. Howe Institute, 1990. [9] NABAIS, José Casalta. Sustentabilidade do estado fiscal. In: NABAIS, José Casalta (Org.). Sustentabilidade Ambiental em Tempos de Crise. Coimbra: Almedina, 2011. p. 47. [10] NABAIS, José Casalta. Sustentabilidade do estado fiscal. In: NABAIS, José Casalta (Org.). Sustentabilidade Ambiental em Tempos de Crise. Coimbra: Almedina, 2011. p. 47. [11] BENIDICKSON, Jamie. Environmental law. 3. ed. Toronto: Irwin Law, 2009. p. 365. [12] GIDDENS, Anthony. The Political of Climate Change. Cambridge: Polity Press, 2009. p. 188. [13] GIDDENS, Anthony. The Political of Climate Change. Cambridge: Polity Press, 2009. p. 188. [14] THE NEW YORK TIMESCanada's Trudeau steps up on climate change. Disponível em: http://www.nytimes.com/2016/10/07/opinion/canadas-trudeau-steps-up-on-climate-change.html?_r=0. Acesso em: 01.11.2016. [15] CALIENDO, Paulo. Extrafiscalidade ambiental: instrumento de proteção ao meio ambiente equilibrado. In: BASSO, Ana Paula et al. (Orgs.). Direito e Desenvolvimento Sustentável. Curitiba: Juruá, 2013. p. 165-194. [16] VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento Sustentável: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2008. p. 171-172.

Fonte: http://www.conjur.com.br/2016-nov-05/ambiente-juridico-uso-tributacao-ambiental-promocao-sustentabilidade

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