Fale com um
Advogado
Coronavírus, impactos na economia e aplicação da Teoria da Imprevisão
Compartilhar:

 
 

  1. INTRODUÇÃO

No presente artigo, trataremos acerca da aplicação da teoria da imprevisão em face da pandemia provocada pelo Sar-CoV-2 (novo coronavírus), que provoca a doença denominada de Covid-19. Inicialmente faremos um histórico acerca das pandemias que já se abateram sobre a humanidade, para em seguida, adentrar no tema proposto.
Dentro da metodologia de estudo, trataremos do histórico da teoria da imprevisão, confrontando-a com a legislação brasileira que disciplina a matéria, além de fazer uma análise da jurisprudência brasileira acerca do tema.
Ao final, trataremos especificamente da aplicação da teoria ao caso da pandemia, apontando as condutas que podem ser adotadas pelos devedores.
 

  1. HISTÓRICO DAS PANDEMIAS

Sabemos que o mundo é cíclico, o movimento econômico, naturalmente, faz movimentos para cima e para baixo, não bastasse isso, de vez em quando, a humanidade enfrenta novas enfermidades, causadas por bactérias, vírus ou outros microorganismos.
Dentre as maiores pandemias[1] podemos citar a cólera, que surgiu em 1817 e se estendeu do sudeste asiático para o resto do mundo, já tendo provocado sete pandemias, com milhões de mortos; gripe espanhola, que dizimou mais de 25 milhões de pessoas, segundo algumas estimativas esse número pode ser duas vezes maior (1918 a 1919)[2]; tuberculose, que vitimou cerca de 1 bilhão de pessoas, entre 1850 a 1950; varíola, 300 milhões de mortos (1896 a 1980); tifo, 3 milhões de mortos, na Europa Oriental e Rússia; sarampo 6 milhões de mortos por ano até 1963.
Entre as mais recentes podemos citar: a pandemia de gripe H1N1, em 2009, que, quatro meses depois de ser descoberta, se disseminou pelo planeta em grande velocidade, principalmente por intermédio do sistema aéreo, tendo chegado a mais de 120 países. Estudos científicos estimam que de 11% a 24% da população global na época — entre 700 milhões e 1,7 bilhão de pessoas — tenha contraído o novo vírus[3]; ebola, que entre 2014 a 2016, na África, infectou cerca de 30 mil pessoas e matou 11 mil.
Em tempos atuais, com início em dezembro 2019, surgindo em Wuhan (China), passou a assustar o mundo, a epidemia causada Sar-CoV-2 (novo coronavírus), que, em seu nascedouro (China), infectou mais de 80 mil pessoas e matou mais de 3 mil.
Tendo migrado para o resto do mundo, atualmente, fora da China, o país mais atingido é a Itália, que já registrou mais de 58 mil contaminados.
 

  1. IMPACTOS ECONÔMICOS DO CORONAVÍRUS

 
A pandemia que o mundo atravessa, sem dúvida nenhuma, trará impactos econômicos de grande magnitude, com efeitos, a curto e médio prazo, devastadores.
Trata-se de uma emergência mundial de proporções catastróficas, tanto para a saúde humana, quanto para a economia global, pois, para evitar a propagação da doença, os países estão fechando suas fronteiras, os voos têm sido cancelados, bares, restaurantes, shopping centers, cerraram suas portas por conta de decretos emanados do poder público.
De modo geral, o comércio já está seriamente impactado, muitas empresas deixarão de existir em decorrência da crise, as que sobreviverem ficarão atoladas de dívidas, pois, mesmo sem atividade econômica e, consequentemente, sem faturamento, suas contas vencerão, a exemplo de folha de pagamento, aluguéis, fornecedores, impostos, encargos legais, cumprimento de contratos de financiamentos celebrados, entre outros.
 Pois bem, sabe-se que, ordinariamente, o empresário assume os riscos da sua atividade econômica, porém, agora, estamos diante de algo que, apesar de possível, em decorrência de outras calamidades que já se abateram sobre a humanidade, não era esperado para o momento atual, tão pouco nas proporções que está tomando, portanto, trata-se de uma imprevisibilidade temporal. Essa imprevisibilidade, faz com que seja impossível às empresas cumprirem com suas obrigações contratuais, nesse caso, tendo em vista que as condições econômicas mudaram de modo não previsto, quais mecanismos jurídicos podem ser acionados para adaptar os contratos à nova realidade? É sobre esses aspectos que vamos tratar nas próximas linhas, passando pela teoria do pacta sunt servanda (o contrato faz lei entre as partes), para, em seguida, relativizar com a teoria do rebus sic stantibus (o contrato faz lei entre as partes se as condições permanecerem inalteradas).
 

  1. IMPORTÂNCIA DA SEGURANÇA JURÍDICA APLICADA AOS CONTRATOS – PACTA SUNT SERVANDA

Evidentemente, os contratos celebrados devem ser cumpridos em sua integralidade, essa é a regra geral vigente, pois, não seria lógico a celebração de contrato, onde um dos contratantes pudesse desistir do negócio ao seu bel prazer, sem qualquer ônus ou consequência jurídica e, esse preceito, deriva do fato de que o contrato faz lei entre as partes, conforme consubstanciado no brocardo latim pacta sunt servanda.
Desse modo, dando prevalência à liberdade de contratar de que dispunham as partes, dentro de uma teoria liberal, o direito romano deu preponderância ao princípio da pacta sunt servanda, sob a alegação de que ninguém é obrigado a contratar, porém, uma vez contratado é obrigado a cumprir.
O saudoso jurista Orlando Gomes, em sua magistral obra, discorrendo sobre o tema contratos, ressaltou que, uma vez celebrado o contrato, com o preenchimento de todos os requisitos legais necessários à sua validade, deve ser integralmente cumprido pelas partes como se suas cláusulas fossem preceitos legais de natureza imperativa[4].
No direito contratual vigora o princípio da autonomia da vontade das partes, desse modo, sendo lícito o objeto contratado e, capazes civilmente os contratantes, o contrato, torna-se um imperativo legal que faz nascer direitos e obrigações recíprocas.
Todavia, em que pese a necessidade de se estabelecer, em nome da segurança jurídica, a obrigação do cumprimento integral do objeto contratado, o direito não pode ficar alheio aos fatos sociais imprevisíveis que, por sua relevância e potencial de alterar substancialmente as condições contratadas, devem ser observados, para que se evite o prejuízo excessivo de uma das partes que, por circunstâncias que fogem ao seu controle, poderá se ver impossibilitada de cumprir o pactuado.
 

  1. TEORIA DA IMPREVISÃO – HISTÓRICO – APLICAÇÃO

Historicamente, a primeira aparição da teoria da imprevisão ocorre no código de Hamurabi, que em seu artigo 48, assim expressava:

Se alguém tem um débito a juros, e uma tempestade devasta o seu campo ou destrói a colheita, ou por falta d'água não cresce o trigo no campo, ele não deverá nesse ano dar trigo ao credor, deverá modificar sua tábua de contrato e não pagar juros por esse ano[5].
 
O direito romano inspirado por São Tomás de Aquino, previa a possibilidade de anulação ou revisão do contrato, com base na teoria da imprevisão, notadamente, nos contratos cujo cumprimento seria realizado no futuro, seja em parcela única, ou em prestações e contraprestações recíprocas ao longo do tempo (contratos de trato sucessivo).
A teoria da imprevisão passou a ser aplicada nos moldes em que conhecemos hoje, com o advento da primeira grande guerra mundial (1914-1918), que afetou sensivelmente a economia global, tornando necessária a revisão dos contratos anteriormente celebrados e, cujo cumprimento, se daria em uma situação totalmente diversa daquela do momento da contratação.
Mesma situação se repetiu quando da segunda guerra mundial, sendo que nesse período, houve uma consolidação no entendimento jurisprudencial e legal, acerca da aplicabilidade da teoria da imprevisão, consubstanciada na cláusula rebus sic stantibus, isto é, o contrato se tornaria obrigatório desde que as condições, entre o momento da contratação e o do cumprimento se mantivessem inalteradas. Assim, alteradas as circunstâncias do momento da contratação de modo a tornar a prestação de uma das partes, impossível ou extremamente onerosa, há que ser dissolvido ou revisto o contrato, isso para se preservar o equilíbrio entre as partes contratantes.
 

  1. TEORIA DA IMPREVISÃO NO DIREITO BRASILEIRO

            No Brasil, a possibilidade de revisão de contratos baseado na teoria da imprevisão e onerosidade excessiva, aparece no código de defesa do consumidor de 1991, onde no art. 6º, ao dispor sobre os direitos básicos do consumidor, estabelece no Inciso V, o direito a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas para o consumidor.
 
No direito civil, coube ao código de 2002, trazer em seu bojo dispositivos que contemplam a teoria da imprevisão e da onerosidade excessiva para uma das partes, neste sentido o artigo 317 dispõe:

Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
Ao tratar das hipóteses de extinção do contrato, o código civil, no artigo 478, trouxe a possibilidade de resolução contratual por onerosidade excessiva aplicável aos contratos de execução continuada ou diferida, isto é, contrato onde as obrigações e direitos recíprocos vão se renovando de forma reiterada ao longo do tempo, ou o contrato celebrado em um momento para cumprimento no futuro, confira:se

Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

 
            Prevê o código citado, que a resolução contratual não ocorrerá se o réu se oferecer a modificar equitativamente as condições do contrato, estabelecendo ainda que, caso as obrigações caibam a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.
Destaca-se que para a aplicação da teoria da imprevisão ou onerosidade excessiva é necessário a ocorrência de um fato extraordinário e imprevisível, nessa linha os tribunais pátrios tem descartado a possibilidade de caracterização da teoria da imprevisão nos casos de alterações climáticas que ocasionem a perda da safra, por entender se tratar de algo previsível e que faz parte do risco da atividade econômica. confira-se abaixo, alguns julgados sobre a aplicabilidade da teoria da imprevisão.
 

  1. TEORIA DA IMPREVISÃO NA JURISPRUDÊNCIA

 
Nos idos de 1999, com o fim do sistema de “banda cambial”, houve significativa valorização da moeda americana frente ao real, passando um dólar americano de R$ 1,25 (um real e vinte e cinco centavos) para R$ 2,20 (dois reais e vinte centavo). Esse fato, fez com que diversas empresas que tinham contratos lastreados em dólar recorressem ao judiciário buscando a aplicação da teoria da imprevisão. Essas causas chegaram ao STJ que firmou entendimento que a teoria da imprevisão somente se aplica em relação a fatos extraordinários que afetem o equilíbrio contratual de modo a causar, a uma das partes, onerosidade excessiva, tendo concluído que em se tratando de contrato de leasing, onde houve prejuízo claro decorrente da desvalorização da moeda nacional frente ao dólar, é passível sim, a aplicação de indenização, como no caso abaixo:
 

ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. CONTRATO E ADITIVO PARA FORNECIMENTO DE SEIS HELICÓPTEROS PARA A POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. PREÇO AJUSTADO EM MOEDA NACIONAL (REAL). VENCEDORA CONTRATANTE QUE NECESSITAVA IMPORTAR AS AERONAVES PAGANDO EM MOEDA ESTRANGEIRA (DÓLAR). DESVALORIZAÇÃO DO CÂMBIO OCORRIDA EM JANEIRO DE 1999. TEORIA DA IMPREVISÃO. ÁLEA EXTRAORDINÁRIA CONFIGURADA. REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO. ART. 65, II, 'D', DA LEI Nº 8.666/93. INDENIZAÇÃO DEVIDA. RECURSO DA EMPRESA PARTICULAR PROVIDO.

STJ - RESP 1433434 / DF 2011/0163895-7 - Data do Julgamento:20/02/2018 - Data da Publicação: 21/03/2018 - Órgao Julgador: T1 - PRIMEIRA TURMA - Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA (1155).

 

EMENTA

CIVIL. ARRENDAMENTO MERCANTIL. CONTRATO COM CLÁUSULA DE REAJUSTE PELA VARIAÇÃO CAMBIAL. VALIDADE.

ELEVAÇÃO ACENTUADA DA COTAÇÃO DA MOEDA NORTEAMERICANA. FATO NOVO. ONEROSIDADE EXCESSIVA AO CONSUMIDOR. REPARTIÇÃO DOS ÔNUS. LEI N. 8.880/94, ART. 6º. CDC, ART. 6º, V.

I. Não é nula cláusula de contrato de arrendamento mercantil que prevê reajuste das prestações com base na variação da cotação de moeda estrangeira, eis que expressamente autorizada em norma legal específica (art. 6º da Lei n. 8.880/94).

II. Admissível, contudo, a incidência da Lei n. 8.078/90, nos termos do art. 6º, V, quando verificada, em razão de fato superveniente ao pacto celebrado, consubstanciado, no caso, por aumento repentino e substancialmente elevado do dólar, situação de onerosidade excessiva para o consumidor que tomou o financiamento.

III. Índice de reajuste repartido, a partir de 19.01.99 inclusive, equitativamente, pela metade, entre as partes contratantes, mantida a higidez legal da cláusula, decotado, tão somente, o excesso que tornava insuportável ao devedor o adimplemento da obrigação, evitando-se, de outro lado, a total transferência dos ônus ao credor, igualmente prejudicado pelo fato econômico ocorrido e também alheio à sua vontade.

IV. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.

Recurso Especial nº 472.594-SP - RELATOR : MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO -R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR - (Diário da Justiça, p. 184, de 18/10/2004).

 
   Entretanto, segundo entendimento do STJ, a teoria da imprevisão não se aplica aos casos de alterações no preço da soja para entrega futura, confira-se:

EMENTA

DIREITO EMPRESARIAL. CONTRATOS. COMPRA E VENDA DE COISA

FUTURA (SOJA). TEORIA DA IMPREVISÃO. ONEROSIDADE EXCESSIVA.

INAPLICABILIDADE.

1. Contratos empresariais não devem ser tratados da mesma forma que contratos cíveis em geral ou contratos de consumo. Nestes admite-se o dirigismo contratual. Naqueles devem prevalecer os princípios da autonomia da vontade e da força obrigatória das avenças.

2. Direito Civil e Direito Empresarial, ainda que ramos do Direito Privado, submetem-se a regras e princípios próprios. O fato de o Código Civil de 2002 ter submetido os contratos cíveis e empresariais às mesmas regras gerais não significa que estes contratos sejam essencialmente iguais.

3. O caso dos autos tem peculiaridades que impedem a aplicação da teoria da imprevisão, de que trata o art. 478 do CC/2002: (i) os contratos em discussão não são de execução continuada ou diferida, mas contratos de compra e venda de coisa futura, a preço fixo, (ii) a alta do preço da soja não tornou a prestação de uma das partes excessivamente onerosa, mas apenas reduziu o lucro esperado pelo produtor rural e (iii) a variação cambial que alterou a cotação da soja não configurou um acontecimento extraordinário e imprevisível, porque ambas as partes contratantes conhecem o mercado em que atuam, pois são profissionais do ramo e sabem que tais flutuações são possíveis.

5. Recurso especial conhecido e provido.

RECURSO ESPECIAL Nº 936.741 - GO (2007/0065852-6) - RELATOR : MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA- RECORRENTE : CARGILL AGRÍCOLA S/A - RECORRIDO : DARCI LUIZ DA SILVA

 

 

 

 

  1. TEORIA DA IMPREVISÃO NO CASO DO NOVO CORONAVÍRUS

Na pandemia provocada pelo Sar-CoV-02, estamos diante de um fato imprevisível e totalmente alheio à vontade das partes e que causa profundo  abalo na economia mundial, uma vez que os governos de diversos países, no sentido de preservar a saúde humana, têm editado leis e decretos restringindo a circulação de pessoas, além do fechamento de shoppings centers, cinemas, parques, museus, bares, restaurantes e o comércio de modo geral, excepcionando-se as atividades tidas como essenciais.
Sabemos que as empresas para honrarem seus compromissos dependem exclusivamente da geração de caixa, que se dá pela venda dos seus produtos ou serviços, com as atividades paralisadas, deixam de ter ingresso de recursos financeiros, entretanto, seus compromissos com folha de pagamento, fornecedores, contas de consumo, aluguéis, tributos, entre outros, continuam vencendo (não entram em quarentena). Sem dinheiro em caixa, como lidar com os compromissos financeiros? Muitas empresas deixarão de existir, principalmente as pequenas e micro empresas, que constituem nas maiores empregadoras no Brasil.
Os governos de diversos países têm estudado e editado normas com vistas à criação de linhas de crédito para ajudar as empresas no enfretamento da grave crise de Covid-19. Entretanto, sabemos que essa ajuda não chegará a todas as empresas necessitadas, seja pela escassez de recursos, seja porque muitas delas, sequer saberão como se habilitar para obter a ajuda governamental.
 Em virtude dos fatos descritos no tópico anterior, muitas demandas jurídicas surgirão, os credores buscarão o judiciário com o intuito de cobrar o que lhes é devido, por sua vez, os devedores, podem adotar duas condutas, quais sejam: a) passiva, esperar que os credores ingressem com os processos judiciais de cobrança ou execução, para então se defender; b) ativa, ingressar de imediato com ações revisionais com vistas a rediscutir as cláusulas contratuais e adequá-las á nova realidade.
Vale lembrar, que somente poderão ser discutidos os contratos que foram celebrados antes da pandemia e cujo cumprimento se daria após a declaração do estado de calamidade pública e determinação das restrições de funcionamento do comércio, bem como, aos contratos de prestação continuada ou de trato sucessivo, cujos direitos e obrigações se renovam periodicamente. Não se aplicando aos contratos inadimplidos em momento anterior.
Desse modo, os devedores, com base na teoria da imprevisão, poderão pleitear o pagamento do principal sem a incidência de juros, uma vez que a inadimplência não decorreu de ato voluntário de sua parte, muito menos por má gerência do negócio, visto que a determinação de fechamento da atividade econômica decorreu de ato do poder público.
 
9. APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO NO ÂMBITO DO DIREITO TRIBUTÁRIO
Imperioso destacar, que a teoria da imprevisão também poderá ser invocada em defesas em ações de execução e/ou cobrança de tributos por parte de órgãos fazendários.
 
10. PRORROGAÇÃO DOS PRAZOS PARA RECOLHIMENTO DE TRIBUTOS FEDERAIS EM DECORRÊNCIA DO ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA
Fato interessante e que merece destaque é que o Ministério da Fazenda, no ano de 2012, portanto, muito antes da atual pandemia, editou a Portaria 12/2012 que, em seu art. 1º, expressamente prevê que ficam prorrogados para o último dia útil do 3º (terceiro) mês subsequente ao evento, os prazos para recolhimento dos tributos federais administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, devidos pelos sujeitos passivos domiciliados nos municípios abrangidos por decreto estadual que tenha reconhecido estado de calamidade pública.
Conforme previsão no Decreto citado acima, a prorrogação dos prazos se dá a contar do mês da ocorrência da decretação do estado de calamidade pública, estendendo o prazo do pagamento para o último dia do terceiro mês subsequente ao evento. O início da contagem do prazo fica claro, quando no parágrafo único do artigo segundo, ao discorrer sobre a suspensão dos prazos para a prática de atos processuais, o decreto dispõe que o termo inicial é o 1º (primeiro) dia do evento que ensejou a decretação do estado de calamidade pública. Entretanto, no nosso entendimento, a contagem do prazo deve se iniciar no primeiro dia subsequente à cessação do estado de calamidade pública, pois, somente assim, atenderá aos fins sociais a que se destina.
A discussão que se trava agora é se o referido decreto tem aplicação no caso da pandemia provocada pelo novo coronavírus, uma vez que o artigo 3º, da norma em discussão, dispõe que “a RFB e a PGFN expedirão, nos limites de suas competências, os atos necessários para a implementação do disposto nesta Portaria, inclusive a definição dos municípios a que se refere o art. 1º”.
Contudo, entendemos que a norma em discussão é auto aplicável, até porque, em virtude da gravidade da situação, o Decreto Legislativo Nº 6 de 20 de março de 2020, decretou a ocorrência do estado de calamidade pública, com efeitos até 31 de dezembro de 2020[6].
Nessa linha de socorro financeiro às empresas impactadas pelo estado de calamidade pública, e caos econômico que instaura no país, o Comitê Gestor do Simples Nacional, no uso das atribuições que lhe competem prorrogou por seis meses o prazo do recolhimento do simples nacional[7], conforme tabela abaixo:

 

Período de Apuração

Vencimento Original

Vencimento Prorrogado

Março/2020

20.04.2020

20.10.2020

Abril/2020

20.05.2020

20.11.2020

Maio/2020

22.06.2020

21.12.2020

 

 
 
 
 Ademais, os Estados também estão postulando junto ao STF, a postergação do pagamento de suas dívidas junto à União Federal, pelo prazo de seis meses e, todos que ingressaram com ações até o presente momento, tiveram decisões favoráveis, a exemplo de: Bahia, São Paulo, Paraná e Maranhão. Ora, se a postergação do pagamento de dívidas é justa e legítima para os Estados, também o será, para todas as empresas impactadas pelos decretos que determinaram a paralização de suas atividades.
 

  1. CONCLUSÃO

Pelo exposto, percebe-se que apesar de ordinariamente, os contratos se tornarem imperativos legais vinculantes das partes, em circunstâncias excepcionais e imprevisíveis, tal teoria será relativizada para que se evite o prejuízo excessivo de uma  das partes que foi tolhida por um fato surpresa que modifica completamente sua situação jurídica frente ao contrato ou frente ao ente público.
Nestes casos, como é o atual panorama da Covid-19, restam preenchidos todos os requisitos legais para aplicação da teoria da imprevisão, isso em obediência ao equilíbrio contratual e ao princípio da boa-fé objetiva que deve nortear os contratos, o mesmo se aplicando no atinente ao recolhimento de tributos, ademais, a ausência de recolhimento não ocorrerá por negligência ou inadimplemento voluntário, e sim, por motivo de força maior e caso fortuito.
 
Por: Wadih Habib, Advogado, sócio da Habib Advocacia, Coordenador e Professor da Pós-graduação em direito e processo do trabalho do Dom Petrum e Faculdade Dom Pedro II, Pós Doutor pela Universidad de La Matanza, Buenos Aires, Argentina.
 


[1] A Organização Mundial de Saúde denomina de pandemia os casos em que “uma doença infecciosa ameaça muitas pessoas ao redor do mundo simultaneamente”. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2020/03/11/o-que-e-pandemia-e-o-que-muda-apos-declaracao-da-oms-sobre-o-novo-oronavirus.htm, acesso em 27/03/2020.

[2] Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Pandemia, acesso em 26/03/2020.

[3] Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52042879, acesso em 26//0/2020.

[4] GOMES, ORLANDO. CONTRATOS. 18ª ED, FORENSE, RIO, 1998, P. 36. GOMES, ORLANDO. CONTRATOS. 18ª ED, FORENSE, RIO, 1998, P. 36.
 

[5] Disponível em: http://www.cpihts.com/PDF/C%C3%B3digo%20hamurabi.pdf, acesso em 26/03/2020.

Olá! Informamos que durante a sua navegação neste site, nós coletamos e utilizamos cookies e outras tecnologias que registram o seu acesso e preferências, com o objetivo de analisarmos métricas que podem aprimorar e personalizar a sua experiência no uso do site! Para mais detalhes sobre quais Cookies coletamos e o uso destes, visite a nossa Política de Privacidade.